Curso de pós-graduação na UFRJ de 2020-1 - Tradição delirante: aspiração de liberdade na linguagem e no comportamento
PROGRAMA: CIÊNCIA DA LITERATURA
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DISCIPLINA:
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PROFESSOR: Eduardo Guerreiro Brito
Losso
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Siape: 1721533
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CÓDIGO: 9600
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PROFESSOR:
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Siape:
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PERÍODO: 2020.1
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NÍVEL: M/D
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ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: Teoria Literária
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HORÁRIO: quinta, 17h
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TÍTULO DO CURSO: Tradição
delirante: aspiração de liberdade na linguagem e no comportamento
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Ementa:
Em diferentes momentos da história, poetas, utopistas e místicos
manifestaram o desejo de libertação de convenções da linguagem e de
comportamento. Frequentemente uma ousadia estética esteve diretamente ligada
a um desejo de desembaraço de coerções sociais e um gesto pessoal de ruptura
cedo ou tarde contribui para um estímulo de transformação social.
Considerado por muitos como o primeiro movimento feminista europeu, a
associação das beguinas foi um
movimento de mulheres que dedicavam sua vida tanto a ajudar desamparados
quanto a labores intelectuais e práticas espirituais. Uma das mais
importantes, Marguerite Porete (1250-1310), foi queimada publicamente em
Paris em 1310, sob acusação de heresia. As visões que se traduziam em
escritos extravagantes e reflexões poéticas, para além da doutrinação e da
racionalidade, orientavam-se para um novo modo de vida, diferenciado do
patriarcalismo eclesiástico. A partir daí, toda uma tradição neoplatônica do
uso da analogia vai radicalizar o
pensamento filosófico renascentista com o uso de associações poéticas que
buscam uma experiência mágica com a natureza.
Em tempos modernos, simbolistas e surrealistas herdam o desejo de
experimentar alucinações com a linguagem, aquilo que Benjamin chama de iluminação profana, e pretendem
secularizar a prática das correspondências
num mundo metropolitano e laico. É nesse contexto que vão surgir
diferentes personalidades especiais: de um simbolista como Cruz e Sousa (o
nosso Dante negro), da simbolista
feminista Gilka Machado, de modernistas como Murilo Mendes, Cecília Meireles
e Jorge de Lima, da geração paulista de Roberto Piva e Claudio Willer, até as
tendências psicodélicas do tropicalismo e da geração marginal, desembocando
na poética contemporânea que retoma relações com a poesia e o pensamento
ameríndio.
O curso pretende explorar não só a dimensão estética da linguagem
extravagante, como também sua busca por uma arte de viver diferente das
normas e hábitos dominantes - nobres,
burgueses ou eclesiásticos - e contra a tecnocracia racionalista e em
direção a uma outra relação com o ambiente e a natureza. É no exercício de um
permanente estudo de si mesmo para elaborar a solidão, a convivência com
outros próximos e com a sociedade em geral que escritoras e escritores
subversivos propõem modos de vida diferentes, nos quais o curso vai se
debruçar.
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BIBLIOGRAFIA
GERAL
AGAMBEN, Giorgio. Altíssima pobreza: regras monásticas e forma
de vida [Homo Sacer, IV, 1]. São Paulo: Boitempo, 2014.
ADORNO, Theodor. Dialética negativa. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2009.
BENJAMIN, Walter. Magia
e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e cultura. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
BORGES, Jorge Luis. Prólogos:
com um prólogo dos prólogos. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.
CERTEAU, Michel de. A fábula mística séculos XVI e XVII: volume
1. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
DELEUZE, Gilles. Crítica
e clínica. São Paulo: 34, 1999.
FOUCAULT, Michel. As
palavras e as coisas. Uma
arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
LÖWY, Michael. Redenção
e utopia. O judaísmo libertário na Europa central: um estudo de afinidade
eletiva. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
LÖWY, Michael. A
estrela da manhã: surrealismo e marxismo. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002.
PAZ, Octavio. Os
filhos do barro: do romantismo à vanguarda. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1984.
VELOSO, Caetano. Verdade
Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
Parte 1- Introdução ao curso: Tradição delirante: memória cultural e desvio
da norma. Ligação intrínseca entre
mística e literatura moderna, analogia no romantismo e simbolismo.
Extravagância da linguagem, mudança comportamental e
autotransformação.
Leitura principal:
PAZ, Octavio. Os
filhos do barro: do romantismo à vanguarda. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1984, p. 81-103.
Leituras
complementares:
BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. São Paulo:
Martins Fontes, 1988.
DELEUZE, Giles. "A
literatura e a vida". In: Crítica e
clínica. São Paulo: Ed. 34, 1997, p. 11-16.
CERTEAU,
Michel de. "Mystique". In: Le lieu de l'autre: histoire religieuse et
mystique. Paris: Gallimard/Le Seuil, 2005, p. 323-343.
Parte 2- Mística: adoração e
irritação
Fascínio e rejeição da palavra, orientalismo e Ocidente, o
inefável, a negatividade e os modos de dizer. Autossuperação e aventura
existencial. História da mística: fundação, desenvolvimento e florescimento.
Conflito entre iluminismo, mística teológica e esoterismo. Influência dessa
história na história da literatura
Leitura principal:
JAMES,
William. As Variedades da experiência
religiosa: um estudo sobre a natureza humana. São Paulo: Cultrix, 1995.
MCGINN, Bernard. As
Fundações da Mística: das Origens ao Século V. São Paulo: Paulus, 2012.
Leituras
complementares:
LARGIER,
Niklaus. “Mysticism, Modernity, and the Invention of Aesthetic Experience”.
Representations, Vol. 105, No. 1 (Winter 2009), p. 37-60.
VAZ,
Henrique de Lima. Experiência mística e
filosofia na tradição ocidental. São Paulo: Loyola, 2009.
HANEGRAAFF,
Wouter J. Esotericism and the academy:
rejected knowledge in western culture. Cambridge: Cambridge University
Press, 2012.
CERTEAU,
Michel de. "Mystique". In: Le lieu de l'autre: histoire religieuse et
mystique. Paris: Gallimard/Le Seuil, 2005, p. 323-343.
Parte 3- Mulheres medievais e mística extravagante. Literatura vernacular e
processo de secularização: fusão de ação e contemplação; diferença entre
mística monástica, escolástica e vernacular (beguinas); mobilização fora-dentro
do mundo, gêneros, narrativas da experiência.
Doutrina da semelhança: hermetismo renascentista, natureza
como livro do mundo, assinatura das coisas, magia erudita, mistificação e
desmistificação, encantamento e ilusão.
Mística e antimística.
Leitura principal:
Trechos de PORETE, Marguerite. O espelho das almas simples e
aniquiladas e que permanecem somente na vontade e no desejo do Amor.
Petrópolis: Vozes, 2008.
Trechos de ECKHART, Meister. Sermões alemães: sermões 1 a 60. Petrópolis: Vozes, 2006.
Trechos de AGRIPPA, Henrique Cornélio. Três livros de filosofia oculta. compilação e comentários de Donald
Tyson; tradução Marcos Malvezzi. São Paulo: Madras, 2008.
Leituras
complementares:
AGAMBEN, Giorgio. Altíssima pobreza: regras monásticas e forma
de vida [Homo Sacer, IV, 1]. São Paulo: Boitempo, 2014.
BÖHME, Hartmut. Natur
und Subjekt. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1988.
Mcginn, Bernard. O florescimento da mística: homens e
mulheres da nova mística:1200-1350. São Paulo: Paulus, 2017.
LIBERA, Alain de. Pensar
na idade média. São Paulo: Ed. 34, 1999.
STOCK, Brian. Ethics
through Literature. Ascetic and Aesthetic Reading in Western Culture.
London: University Press of New England, 2007.
HOLLYWOOD,
Amy. Beckman, Patricia. The Cambridge
Companion to Christian mysticism. Cambridge: Cambridge University Press,
2012.
HOLLYWOOD,
Amy M. Sensible ecstasy: mysticism,
sexual difference, and the demands of
history. Chicago: University of Chicago Press, 2002.
HOLLYWOOD,
Amy M. The soul as virgin wife: Mechthild
of Magdeburg, Marguerite Porete, and Meister Eckhart. Notre Dame:
University of Notre Dame Press, 1995.
CERSOWSKY, Peter. Magie
und Dichtung: zur deutschen und englischen Literatur des 17. Jahrhunderts.
München: W. Fink, 1990.
YATES, Frances. Giordano Bruno e a tradição hermética. São Paulo: Cultrix, 1995.
Parte 4- Novalis, Decadentismo,
Simbolismo e correspondências
Novalis:
Magia da linguagem, sentido da natureza, síntese romântica
Primeiros
baudelairianos, questionamento dos costumes conservadores e burgueses, crise
dos valores: niilismo. Comparação entre Europa e Brasil.
Correspondências
como estilo e poética, diferença entre decadentismo e simbolismo na história:
França e Brasil, moda esotérica e meio literário-artístico.
Leitura
principal:
Novalis:
trechos de Cristandade e Europa e Os discípulos de Sais
CANDIDO,
Antonio. "Os primeiros baudelairianos". A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1989, p.
23-38.
Poemas
de Teófilo Dias, Venceslau de Queiroz, Medeiros e Albuquerque e Domingos do
Nascimento
Leituras
complementares:
RAMOS,
Péricles Eugênio da Silva. "Poesia simbolista". Do barroco ao modernismo. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e
Científicos, 1979, p. 210-232.
MOISÉS, Massaud. A
literatura brasileira: O simbolismo (1893-1902). São Paulo: Cultrix, 1966.
CAROLLO, Cassiana. Decadismo e simbolismo no Brasil: Critica e
poética. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Cientificos Ed., 1981.
MICHAUD, Guy. Méssage poétique du symbolisme. Paris: Nizet, 1961.
MERCIER, Alain. Sources Ésotériques et Occultes de la Poésie Symboliste (1870-1914).
Le symbolisme français. Paris: Nizet,
1969.
SAGERET, Jules. La vague mystique. Paris: Flammarion, 1920.
MORICE, Charles. La littérature de Tout à l’heure. Paris: Perrin et Cie, 1889.
WILLER, Claudio. Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e
poesia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
Parte 5- Primeira geração simbolista brasileira: os anti-clericais do Paraná
Cenáculo:
Júlio Perneta, Silveira Neto e Dario Vellozo: fundação de um pólo cultural,
conflito com imigrantes e Igreja.
Satanismo
de Júlio Perneta e esoterismo de Dario Vellozo, religião da arte, escrita
extravagante, nacionalismo: simbolistas como intérpretes do Brasil, peculiaridade da paisagem paranaense.
Crus
e Sousa: evocações
Leitura
principal:
Poemas
de Júlio Perneta, Silveira Neto, Dario Vellozo e Cruz e Sousa
Crítica:
BEGA, Maria Tarcisa Silva. Letras e
política no Paraná: simbolistas e anticlericais na República Velha.
Curitiba: Editora UFPR, 2013.
Leituras
complementares:
CAMPOS, Augusto de. Re-Visão
de Kilkerry. São Paulo: Brasiliense, 1985.
LINS, Vera. O poema em
tempos de barbárie e outros ensaios. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013.
LINS, Vera. Poesia e crítica: uns e outros. Rio de
Janeiro: 7 Letras, 2005.
VASCONCELOS JÚNIOR,
Gilberto Araújo de. O poema em prosa no
Brasil (1883-1898): origens e consolidação. Tese de Doutorado. Rio de
Janeiro: UFRJ/ FL, 2014.
VERAS, Eduardo Horta
Nassif. O oratório poético de Alphonsus
de Guimaraens: uma leitura do Setenário das Dores de Nossa Senhora. Belo
Horizonte: Relicário, 2016.
SECCHIN, Antonio Carlos. Percursos
da poesia brasileira: do século XVIII ao século XXI. Belo Horizonte:
Autêntica, 2018.
Parte 6- simbolismo e modernismo
Lebensreform: Comunidade do Monte Vérita em
Ascona, Suíça, boemia e comunidades alternativas
Gilka
Machado e Cecília Meireles, Murilo Mendes e Jorge de Lima
Simbolismo
tardio e surrealismo, católicos e progressistas, poesia e política, relação com
o modernismo de 1922
Leitura
principal:
Poemas
de Gilka Machado e Cecília Meireles, Murilo Mendes e Jorge de Lima
Trechos
de BRETON, André. O amor louco.
Lisboa: Editorial Estampa, 1971.
Primeiro
Capítulo de LÖWY, Michael. A estrela da
manhã: surrealismo e marxismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2002.
BENJAMIN,
Walter. “O Surrealismo: O último instantâneo da inteligência europeia”. In: Obras Escolhidas. Magia e Técnica, Arte e
Política. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 21-35.
Leituras
complementares:
ARAÚJO, Gilberto. “Gilka Machado:
corpo, verso e prosa”. Revista Brasileira, Rio de Janeiro, Ano III, n. 80, p.
115-128, Julho-Setembro 2014.
ALBUQUERQUE, Medeiros e. “Gilka da
Costa Machado - Estados de Alma”. In: Páaginas
de críitica. Rio de Janeiro: Leite Riberito & Maurillo, 1920, p. 67-81.
BINGEMER,
Maria Clara Lucchetti. YUNES, Eliana Lucia Madureira (org.). Murilo, Cecília e Drummond: 100 anos com Deus
na poesia brasileira. Rio de Janeiro: Loyola, 20
FARRA, Maria Lucia Dal.
"Prefácio". In: MACHADO, Gilka. Poesia
Completa. Org. Jamyle Rkain. São Paulo: V. de Moura Mendonça, 2017, p.
18-50.
FARRA, Maria Lucia Dal. “Gilka, a
maldita”. Teresa: revista de literatura
brasileira, n.15, p. 117-129, 2014.
GOUVÊA, Leila Vilas Boas. Pensamento e "lirismo puro" na
poesia de Cecília Meireles. São Paulo: EdUSP, 2008.
GOTLIB, Nádia Batella. Gilka
Machado: a mulher e a poesia. In: DUARTE, Constância Lima (org.). Anais do 5o Seminário Nacional Mulher e
Literatura: Natal, 1 a 3 de setembro de 1993. Natal: UFRN: Ed.
Universitária, 1995, p. 17-30.
Parte 7- Contracultura e
contemporaneidade:
Roberto
Piva, Afonso Henriques Neto, tropicalismo, Azougue, contemporâneos
Leitura
principal:
Tradição delirante: poemas
de Roberto Piva, Afonso Henriques Neto, Sergio Cohn, Marco Lucchesi, Waldo Motta.
Outros contemporâneos: Armando Freitas Filho, Evando Nascimento, Claudia Roquette-Pinto.
Outros contemporâneos: Armando Freitas Filho, Evando Nascimento, Claudia Roquette-Pinto.
Leituras
complementares:
COHN, Sergio. A reflexão atuante: ensaios interventivos e
entrevistas. Rio de Janeiro: Circuito, 2015.
DAVIS, Erik. Techgnosis : myth, magic, and religion in
the information age. New York: Harmony Books, 1998.
FELINTO, Erick. Silêncio de Deus, silêncios dos homens:
Babel e a sobrevivência do sagrado na literatura moderna. Porto Alegre:
Sulina, 2008.
HALASZ, Judith R. The bohemian ethos: questioning work and
making a scene on the lower East Side.
New York: Routledge, 2015.
HANEGRAAFF,
Wouter J. "Beyond the Yates Paradigm: the Study of Western Esotericism
Between Counterculture and New Complexity". Aries. Amsterdam Institute for
Humanities Research (AIHR), v. 1., issue 1, 2001, p. 5-37.
TURNER, Fred. From counterculture to cyberculture : Stewart Brand, the Whole Earth
network, and the rise of digital utopianism. Chicago: The University of
Chicago Press, 2006.
VELOSO, Caetano. Verdade
Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
WILLER, Claudio. Os rebeldes: Geração Beat e anarquismo
místico. Porto Alegre: L&PM, 2014.
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