Teoria da literatura II 06-2012
No livro Hermenêutica do sujeito, p. 115, Foucault diferencia o tipo de cuidado de si do Alcebíades, de Platão, do período helenístico.
Na
prática de si que vemos desenvolver-se no decurso do perío-
do helenístico e romano, ao contrário, há um lado formador
que é essencialmente vinculado à preparação do indivíduo,
preparação porém não para determinada forma de profis-
são ou de atividade social: não se trata, como no Alcibíades,
de formar o indivíduo para tomar-se um bom governante;
trata-se, independentemente de qualquer especificação pro-
fissional, de formá-lo para que possa suportar, como con-
vém, todos os eventuais acidentes, todos os infortúnios pos-
síveis, todas as desgraças e todos os reveses que possam
atingi-lo. Trata-se, conseqüentemente, de montar um me-
canismo de segurança, não de inculcar um saber técnico e
profissional ligado a determinado tipo de atividade. Esta for-
mação, esta armadura se quisermos, armadura protetora em
relação ao resto do mundo, a todos os acidentes ou aconteci-
mentos que possam produzir-se, é o que os gregos chama-
vam de paraskheué, aproximadamente traduzido por Sêneca
como instructio. A instructio é esta armadura do indivíduo
em face [dos] acontecimentos e não a formação em função de
um fim profissional determinado. Portanto, nos séculos I-lI,
encontramos este lado formador da prática de si.
Na
prática de si que vemos desenvolver-se no decurso do perío-
do helenístico e romano, ao contrário, há um lado formador
que é essencialmente vinculado à preparação do indivíduo,
preparação porém não para determinada forma de profis-
são ou de atividade social: não se trata, como no Alcibíades,
de formar o indivíduo para tomar-se um bom governante;
trata-se, independentemente de qualquer especificação pro-
fissional, de formá-lo para que possa suportar, como con-
vém, todos os eventuais acidentes, todos os infortúnios pos-
síveis, todas as desgraças e todos os reveses que possam
atingi-lo. Trata-se, conseqüentemente, de montar um me-
canismo de segurança, não de inculcar um saber técnico e
profissional ligado a determinado tipo de atividade. Esta for-
mação, esta armadura se quisermos, armadura protetora em
relação ao resto do mundo, a todos os acidentes ou aconteci-
mentos que possam produzir-se, é o que os gregos chama-
vam de paraskheué, aproximadamente traduzido por Sêneca
como instructio. A instructio é esta armadura do indivíduo
em face [dos] acontecimentos e não a formação em função de
um fim profissional determinado. Portanto, nos séculos I-lI,
encontramos este lado formador da prática de si.
Comparar com o poema de Armando Freitas Filho do livro Máquina de escrever, p. 221-222.
(retirado originalmente do livro De corpo presente, de 1975)
Auto-retrato
No papel fino do espaço
a minha figura pousa
seus traços e braços:
pedaços, quebra-cabeça
armando as suas peças
partes, pedras e passos:
a cada gesto o contato
tão tátil de fragmentos
que os dedos do acaso
adaptam, múltiplos
com seus vários perfis
contrários, numa soma
de avessos e retalhos
e a imagem sob a pele
é alinhavada: andaimes
de cartas, o castelo
embaralhado pelo vento
que saco de flâmulas
de naipes inventados:
construção de dados
com seus inúmeros
números, lados, ludus
o encontro de cubos
neste espelho de papel
onde o puzzle do corpo
uma armadura de lacunas
em tempo de pressa e perda
armou seus erros e hiatos.
Hipótese: o poema de Armando nos mostra como é impossível assegurar-se contra a "armadura de lacunas" do corpo, que nos enreda na "pressa e perda" do tempo. A figura do poeta no papel é uma "construção de dados" que monta e desmonta o seu próprio quebra-cabeça. Se o poema não parece armar-se diante dos acontecimentos, como lemos no trecho do Foucault acima, ele faz algo semelhante trazendo para si o próprio caos exterior, constrói e desconstrói suas "partes, pedras, passos". As palavras em série de alguns versos, a estrutura em parte livre da sintaxe, exibe a tensão entre montagem e desmontagem do eu lírico na escrita poética.
Hipótese: o poema de Armando nos mostra como é impossível assegurar-se contra a "armadura de lacunas" do corpo, que nos enreda na "pressa e perda" do tempo. A figura do poeta no papel é uma "construção de dados" que monta e desmonta o seu próprio quebra-cabeça. Se o poema não parece armar-se diante dos acontecimentos, como lemos no trecho do Foucault acima, ele faz algo semelhante trazendo para si o próprio caos exterior, constrói e desconstrói suas "partes, pedras, passos". As palavras em série de alguns versos, a estrutura em parte livre da sintaxe, exibe a tensão entre montagem e desmontagem do eu lírico na escrita poética.
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