dialética negativa

Wednesday, June 24, 2009

INSIGNIFICÂNCIA E SIGNIFICÂNCIA DO EU

No poema "LOS HERALDOS NEGROS" de César Vallejo o primeiro de todos os golpes ao homem é o ódio de Deus, depois mensagens negras da Morte, recaídas da alma, etc. Mas quem sofre tal violência existencial? O poeta responde, ironicamente: "Yo no sé!". Quer dizer, ele sabe muito bem quem: o eu.

Por outro lado, no ensaio de Borges "La naderia da la personalidad", baseando-se no conceito de vontade de Schopenhauer, pergunta-se o que é o eu e vai refutando todas as possibilidades: não é a realidade visual de meus olhos, não é a audição, não é minha atividade de ver, ouvir, ler, enfim, não é o corpo; mas também não é o desejo, o pensamento, ou seja, o espiritual, pois as faculdades cognitivas podem envelhecer sem que eu me ausente. Não é a consciência, pois ela, sem afetos, pensamentos e percepções não é nada.

Esse texto é uma das bases para a teoria da morte do autor e da negação da subjetividade. Mas Vallejo nos ajuda a responder que, diante da tortura dos homens ou de Deus, o eu não consegue negar-se a si mesmo. Por que em vez de achar que a subjetividade foi superada, não perceberam que o ataque de Borges é direcionado à positividade do sujeito, e não a sua inevitabilidade, quer dizer, sua existência inapreensível mas inalienável. É assim que entendo sua afirmação: "No hay tal yo de conjunto", "el yo no existe". Não caia na ilusão humanista e romântica do eu, mas também, com Vallejo, não caia na ilusão relativista do não-eu absoluto. Dizer que o eu é uma ficção é o melhor modo de aumentar as possibilidades do eu, que, querando ou não, ainda assim nos limita. Mas é só com a consciência do limite que o ilimitado do não-eu pode tomar de assalto o eu, aniquilá-lo na experiência poética e embriaguez dionisíaca. Esse aniquilamento místico, contudo, não existe sem um retorno pós-ressaca ou pós-graça ao eu.

Se Borges procura tanto o eu e não o encontra, quer desmistificar a subjetividade, mas não deixa de ficar intrigado com fato de sua não-existência tanto motivar a existência de outras coisas. Se sua não-existência é inevitável, seja na linguagem, seja na experiência, há aí um modo de existência negativa.

Para quem vive afirmando que a morte, a própria conciência e existência não importam, são insignificantes, "já que sou insignificante para o mundo, sou para mim mesmo" penso que há uma denegação traumática da própria ameaça da morte,
da importância inalienável de sua própria existência. Psicologicamente, é difícil estar à altura da importância que se tem para si mesmo. O fato de sermos insignificantes para o cosmos, o universo, a terra, a humanidade, a europa, o Brasil, nossa cidade e até para a maioria de nossos conhecidos e familiares não significa que somos insignicantes para nós mesmos e para os mais próximos. Cabe a cada um dos "eus", a cada um de nós, fazer de nossa importância pessoal algo de relevante para uma existência ética e estética, ascética e hedonista. A insignificância cósmica absoluta é sempre contraposta à importância absoluta da própria existência, mesmo para a mãe que se sacrificaria por seu filho, pois o filho é o que há de mais importante para ela mesma, para o desejo, o "eu" desejante da mãe. Logo, somos absolutamente insignificantes para quase tudo e e você é totalmente significante para si mesmo. "Cada um por si e Deus por todos" pode ser entendido como: ninguém escapa da importância de si para si mesmo, nem mesmo imaginando que Deus, a família ou mesmo o nada se importe mais para consigo do que consigo mesmo.

Imaginar que Deus se importa absolutamente com cada um de nós é uma das grandes estratégias das religiões de evitar a solidão e orfandade radical, assim como a idéia de que a alma é imortal com relação a definitiva inexistência do eu, a morte. Penso que a importância inevitável de si para si mesmo pode, para sair do perigo do egocentrismo, servir-se do trabalho de individualização para superar-se a si mesmo e lançar sua superação de si mesmo ao outro (sujeito), sugerindo que o outro encontre a sua maneira de se superar. Mas o que é superar-se a si mesmo?
É justamente tentar superar a sua igualdade consigo mesmo, "o eu é um outro" de Rimbaud seria o desejo, também inevitável de, diante da inevitabilidade do mesmo, sair de si mesmo, não para anular definitivamente o eu, mas para torná-lo sempre e cada vez mais um ser extensivo ao outro (não outro sujeito, mas qualquer outra coisa) sem perder sua consistência constitutiva e construtiva. So assim o eu consegue sair de si; enquanto se disser facilmente, sem passar pelo percurso de um Borges intrigado, que o eu não é nada, o eu não vai sair do lugar.






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