dialética negativa

Thursday, March 22, 2018

Teoria literária II-2018-01- Roteiro de aula

Teoria literária II-2018-01- Roteiro de aula
Gêneros literários

Gêneros musicais de hoje em dia:
Música clássica, jazz, rock, pop, MPB,
rap, funk, música eletrônica, world music,
música folclórica, música popular, ambient music.

Subgêneros do rock:
Alternative rock – Art rock – Beat music – Britpop – Desert rock –
Detroit rock – Emo – Experimental rock – Garage rock – Glam rock –
Group Sounds – Grunge – Hard rock – Heartland rock – Heavy metal –
Instrumental – Indie rock – Jangle pop – Krautrock – Madchester –
Post-Britpop – Power pop – Progressive rock – Protopunk –
Psicodelia – Punk rock – Rock noir – Soft rock – Southern rock – Surf – Sinfônico
New wave, jazz rock
Gêneros de fusão
Aborígene – Afro-rock – Anatólio – Bhangra rock – Blues-rock –
Country rock – Flamenco-rock – Folk rock – Funk rock - Glam punk –
Indo-rock – Industrial rock – Jazz fusion – Pop rock - Punta rock –
Raga rock – Raï rock – Rap rock – Rockabilly – Rockoson – Samba-rock –
Space rock – Stoner rock – Surf rock, Sufi rock

Subgêneros do heavy metal:
Subgêneros
Black metal  • death metal  • doom metal  • power metal  • speed metal  • thrash metal
Gêneros de fusão
Avant-garde metal  • crust punk  • djent  • drone metal  • folk metal  •
funk metal  • glam metal  • gothic metal  • grindcore  • Neue Deutsche Härte  •
kawaii metal  • metal alternativo  • metalcore  • metal cristão  • metal industrial  •
metal neoclássico  • metal progressivo  • metal sinfônico  • nu metal  • post-metal
• rap metal  • sludge metal  • stoner metal
Formas regionais
Austrália • Bay Area • Brasil • Reino Unido  • Alemanha • Gothenburg •
Estados Unidos • Noruega

Meme exemplificando o conhecimento do expert em Metal e a pessoa normal:



Mesmo modelo de meme com o rock progressivo

O que isso quer dizer?
1- Os gêneros artísticos não foram inventados pelos teóricos, eles surgem da própria
relação entre artistas e público.
2- Quando teóricos do passado se referiam a elegia, soneto, iambo, canção, ode,
idílio, pastoral, écloga, quadra, trova e epigrama como diferentes formas da lírica,
eles não estavam falando de algo que ninguém conhecia, estavam de fato se remetendo
a formas cancionais e literárias que todo mundo conhecia e praticava cotidianamente.
3- Os gêneros mediam a relação do público com a obra, do artista com obra (mesmo que
seja para negá-lo) e do artista com o público.

Tipos de fontes de gêneros literários no Antigo Testamento
"Conseqüentemente, existe uma grande variedade de modos de falar
e de gêneros literários empregados nesses livros, cujas raízes se encon-
tram em geral nas antigas tradições do Antigo Oriente e cuja multiplici-
dade de formas decorre, em parte, das formas vétero-orientais e paleo-
israelíticas, e, em parte, das concepções que surgiram na Palestina sob o
influxo da fé javista. Por isso, antes de descrevermos os gêneros literários,
é preciso considerar mais de perto sua presença no Antigo Oriente, por-
que é sobre este pano de fundo que se projetam tanto o entrelaçamento
dos gêneros literários israelíticos com os gêneros literários vétero-orien-
tais, como a multiplicidade de suas características próprias em relação a
estes últimos. Esta multiplicidade de formas obriga, sem dúvida, a limi-
tar nosso estudo aos pontos mais importantes. Uma exposição mais deta-
lhada forçosamente nos levaria além de qualquer limite.
Para apresentarmos os gêneros literários em uma visão panorâmica
a mais completa possível, devemos ordená-los em seis grupos, embora
isto não signifique que a inclusão de certos gêneros literários em determi-
nado grupo implique sejam eles da mesma origem nem tenham tido a
mesma finalidade. O primeiro grupo, o dos "gêneros literários normati-
vos", compreende aquelas formas que se referem à vida e ao comporta-
mento e também a toda a esfera do direito. O segundo grupo, o dos "gê-
neros impetrativos e desiderativos", contém aquelas formas e fórmulas
que, sob os mais variados aspectos, exprimem um pedido ou um desejo.
O terceiro grupo, o dos "gêneros querigmáticos e doutrinários ou didáti-
cos", é constituído por aquelas formas nas quais, em virtude de uma auto-
ridade especial, se anuncia alguma coisa, se dá uma instrução ou se trans-
mite um conhecimento. Os "gêneros narrativos", que formam o quarto
grupo, descrevem situações ou acontecimentos de caráter inverossímil ou
duvidoso, enquanto os gêneros ditos de informação", que constituem o
quinto grupo, abrangem enumerações ou descrições que, pelo menos quan-
to à forma, pretendem reproduzir as coisas tais como se apresentam na
realidade. Ao sexto grupo pertencem os "gêneros literários de comunica-
ção", constituídos por formas de comunicação imediata com Deus ou com
os demais homens. Com o fim de simplificar e de concentrar, no quadro
geral que a seguir traçaremos sobre o Antigo Oriente, estudaremos o
direito, a instrução, a narrativa e o relato somente em seus aspectos
essenciais."
SELLIN, Ernest. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Ed.
Academia Cristã Ltda, 2007, p. 76-77.

Isso significa que os textos bíblicos tiveram como base gêneros literários que
já vigoravam anteriormente nas antigas tradições do Antigo Oriente.
Como diz Todorov:
"De onde vêm os gêneros? Pois bem, simplesmente de outros gêneros. Um novo gênero é sempre a transformação de um ou de vários gêneros antigos: por inversão, por deslocamento, por combinação. Um “texto” de hoje (também isso é um gênero num de seus sentidos) deve tanto à “poesia” quanto ao “romance” do século XIX, do mesmo modo que a “comédia lacrimejante” combinava elementos da comédia e da tragédia do século precedente. Nunca houve literatura sem gêneros; é um sistema em contínua transformação e a questão das origens não pode abandonar, historicamente, o terreno dos próprios gêneros: no tempo, nada há de “anterior” aos gêneros", p. 46.

A origem dos gêneros está ligada aos primeiros atos de fala na origem da própria
cultura: oração, conversa, canto, performance ritual.

Contudo, muitas vezes percebemos que os escritores não querem que sua obra
seja rotulada dentro de um gênero. No modernismo (anos 1910 e 1920, em especial),
houve uma forte negação de enquadramento das obras em gêneros. Por quê?

Leia a resposta de Blanchot:
BLANCHOT, Maurice. O livro por vir. São Paulo: Martins Fontes, 2005. [1959]
p. 292: "E não é notável, mas enigmático, notável como um enigma, que essa mesma palavra "literatura", palavra tardia, palavra sem honra que serve sobretudo aos manuais, que acompanha a marcha cada vez mas invasiva dos escritores de prosa, e designa, não a literatura, mas seus defeitos e excessos (como se estes lhe fossem essenciais), tome-se, no momento em que a contestação se faz mais severa, em que os gêneros se dissolvem e as formas se perdem, no momento em que, por um lado o mundo não tem mais necessidade de literatura, e por outro cada livro parece estranho a todos os outros e indiferente à realidade dos gêneros, no momento em que, além disso, o que parece exprimir-se nas obras não são as verdades eternas, os tipos, os caracteres, mas uma exigência que se opõe à ordem das essências, a literatura, assim contestada como atividade válida, como unidade dos gêneros, como mundo em que se abrigariam o ideal e o essencial, torne-se a preocupação, cada vez mais presente, embora dissimulada, daqueles que escrevem e, nessa preocupação, apresente-se a eles como aquilo que deve ser revelado em sua "essência"?"
p. 299: "Só importa o livro, tal como é, longe dos gêneros, fora das rubricas, prosa, poesia, romance, testemunho, sob as quais ele se recusa a abrigar-se e às quais nega o poder de lhe atribuir seu lugar e de determinar sua forma. Um livro não pertence mais a um gênero, todo livro diz respeito somente à literatura, como se essa detivesse, de antemão, em sua generalidade, os segredos e as fórmulas exclusivas que permitem dar ao que se escreve a realidade de livro.Tudo aconteceria então como se, tendo-se dissipado os gêneros, a literatura se afirmasse sozinha, brilhasse sozinha na claridade misteriosa que propaga e que cada criação literária lhe devolve, multiplicando-a - como se houvesse, pois, uma "essência" da literatura."

Agora veja a resposta de Todorov a Blanchot:
TODOROV. Tzvetan. Os gêneros do discurso. São Paulo: Martins Fontes, 1980. [1978]
artigo: "A ORIGEM DOS GÊNEROS"
p. 44: "Aliás, lendo os próprios escritos de Blanchot em que se afirma esse desaparecimento dos gêneros, vemos operando categorias cuja semelhança com as distinções genéricas é difícil negar. Assim, um capítulo do Le livre à venir é dedicado ao diário íntimo; um outro, à palavra profética. Falando do mesmo Broch (“que não mais se submete à distinção dos gêneros”), Blanchot nos diz que ele “se dedica a todos os modos de expressão — narrativos, líricos e discursivos” (p. 141). E o que é mais importante, esse livro repousa inteiro na distinção entre dois, talvez não gêneros, mas modos fundamentais, a narrativa e o romance, a primeira caracterizando-se pela procura obstinada de seu próprio lugar de origem — que apaga e esconde o segundo. Não são pois “os” gêneros que desapareceram, mas os-gêneros-do-passado, tendo sido substituídos por outros. Não se fala mais de poesia e prosa, de testemunho e ficção, mas do romance e da narrativa, do narrativo e do discursivo, do diálogo e do diário.
O fato de a obra “desobedecer” a seu gênero não o torna inexistente; somos quase levados a dizer: pelo contrário. E isso por uma dupla razão. Primeiro, porque a transgressão, para existir como tal, necessita de uma lei — que será, precisamente, transgredida."
p. 45: "Ainda mais: para ser uma exceção, a obra pressupõe necessariamente uma regra; mas, além disso, assim que reconhecida em seu estatuto excepcional, essa obra torna-se, por sua vez, uma regra, graças ao sucesso de livraria e à atenção dos críticos."
Friedrich Schlegel: “A teoria das espécies poéticas seria a doutrina de arte específica da poesia. “As espécies de poesia são, propriamente, a própria poesia” (Conversation sur la poésie). A poesia são os gêneros; a poética, a teoria dos gêneros".
p. 48: "Portanto, os gêneros são unidades que podemos descrever sob dois pontos de vista diferentes, o da observação empírica e o da análise abstrata. Numa sociedade, institucionaliza-se a recorrência de certas propriedades discursivas, e os textos individuais são produzidos e percebidos em relação à norma que esta codificação constitui. Um gênero, literário ou não, nada mais é do que essa codificação de propriedades discursivas."
p. 49: "É porque os gêneros existem como instituição, que funcionam como “horizontes de expectativa” para os leitores, como “modelos de escritura” para os autores."

Isto é: não podemos fugir dos gêneros. Não fugimos de codificações, nem mesmo quando
as negamos. A transgressão precisa da lei. Contudo, o sistema está em constante modificação: uns gêneros surgem e outros vão desaparecendo.

Questões:
1- Você gosta de um gênero mais do que outro? O interesse pelos gêneros deve vir do
gosto? O que é identificar-se com um gênero e desgostar de outro?
2- Por exemplo: se alguém de fato lê literatura, normalmente gosta de ler romance e
não poesia. Por quê? Qual a atração do romance e qual o problema do livro de poesia?
Não é possível ler poemas curtos no ônibus, no metrô, com mais facilidade do que
um romance?
3- Se você não lê romance, você lê conto? Já parou para pensar como os livros
podem se adaptar às suas necessidades?
4- Como apresentar essas possibilidades de leitura ao aluno de ensino fundamental
e médio? Como estimular a leitura do aluno?
5- Estudar gêneros e períodos literários ajuda a termos uma visão abrangente da
literatura ao longo da história? Se tais esquemas certamente não substituem a leitura
das obras, será que eles estimulam a leitura? Será que eles dão uma primeira noção
necessária?
6- Até que ponto uma obra se encaixa num gênero?

Qual a origem não dos gêneros, mas da classificação dos gêneros? Qual a origem e
história da teoria do gênero? É para responder essa pergunta que leremos o livro
de Gerard Genette.

GENETTE, Gerard. Introdução ao arquitexto. Lisboa: Vega Gabinete de edições, 1987. [1979]
Ler da parte I à parte V (até a p. 52)

 p. 39:
À tríade platónica
narrativo -  misto -  dramático
substituiu-se o par aristotélico:
0             - narrativo - dramático

p. 31:













p. 36: "De facto, isso é claro, estamos perante duas realidades distintas:
uma ao mesmo tempo modal e temática, que as primeiras páginas da Poética colocam,
e que é o drama nobre, ou sério, por oposição à narrativa nobre (a epopeia)
e ao drama baixo, ou alegre (a comédia); essa realidade genérica,
que engloba igualmente Os Persasi Édipo Rei,
é então baptizada tradicionalmente tragédia, e Aristóteles não cuida,
evidentemente, de contestar essa denominação. A outra é puramente temática,
e de ordem mais antropológica que poética: é o trágico, ou seja,
o sentimento da ironia do destino, ou da crueldade dos deuses"
p. 37:











"Em termos de sistema dos géneros, a tragèdia é, portanto, uma especificação temática
do drama nobre, tal como para nós o vaudeville é uma especificação temática da comédia,
ou o romance policial uma especificação temática do romance. [...]
alguns poeticistas arrastados por essa confusão, e ingenuamente fincados
em aplicar e fazer aplicar ao conjunto de um gênero as normas
que ele tinha indicado para uma das suas espécies."
p. 38
"Ou, mais exactamente, recordo-o uma última vez, Aristóteles
reconhece perfectamente — e valoriza — o carácter misto do modo épico:
o que nele desaparece é o estatuto do ditirambo, e, no mesmo instante,
a necessidade de distinção entre narrativo impuro e narrativo puro."
p. 40
"Durante vários séculos (29), a redução platónico-aristotélica
do poético ao representativo vai pesar sobre a teoria dos géneros
e manter aí a insegurança ou a confusão."

Noção de poesia lírica: técnica e restritiva:
- Aristarco: tábua de nove poetas líricos
(entre os quais Alceu, Safo, Anacreonte, Pindaro)
por largo tempo permanecerá canônica
- Horácio, Arte poética: reduz- -se, quanto a géneros,
a um elogio a Homero, bem como a uma exposição
das regras do poema dramático.
- p 41, Quintiliano: lista de leituras gregas:
sete gêneros poéticos: "lírico não é aqui mais que um género
não narrativo e não dramático entre outros, e, de facto,
reduz-se a uma forma, que é a ode".

p. 42, artes poéticas do século xvi: justapõe as espécies
- Peletier du Mans (1555): epigrama,, soneto, ode, epístola,
elegia, sátira, comédia, tragédia, «obra heróica»;
- Vauquelin de ia Fresnaye (1605): epopeia, elegia, soneto, iambo,
canção, ode, comédia, tragédia, sátira, idilio, pastoral;
- Philip Sidney (An Apologie for Poeírie, 1583): heróica, lírica, trágica,
cómica, satírica, ¡âmbica, elegíaca, pastoral.

- p. 43, Arte poética de Boileau (1674):
o canto III trata da tragédia, da epopeia e da comédia;
o canto II alinha, sem nenhuma categorização de conjunto,
como nos predecessores do século xvi, idílico, elegia, ode,
soneto, epigrama, rondó, madrigal, balada, sátira, vaudeville e canção.

p. 44, "Ao lado, ou antes, portanto, sob os grandes géneros narrativos,
há uma poeira de pequenas formas, cuja inferioridade ou ausência
de estatuto poético deriva um pouco da exiguidade real das suas dimensões e suposta
do seu objecto, e muito à exclusiva secular lançada sobre tudo aquilo que não é
«imitação de homens actuantes». A ode, a elegia, o ' soneto, etc.,
não imitam nenhuma acção, pois que em princípio mais não fazem que enunciar,
como um discurso ou uma prece, as idéias ou os sentimentos, reais ou fictícios,
do seu autor".
p. 45: "A ideia de federar todas as espécies de poema não mimètico
para as constituir em terceiro partido sob o nome comum de poesia lírica
não é inteiramente desconhecida da idade clássica: simplesmente é aí marginal
e, por assim dizer, heterodoxa."
- Minturno, De Poeta (1559); Milton, Creatile of Education, 1644; Dryden,
Préface à l'Essay of Dramatic Poetry, 1668; Baumgarten, Esthétique, 1735.

- Francisco Cáscales, Tablas poeticas (1617):
lírica é um pensamento: concepto
- p. 47-48: Charles Batteux: As Belas Artes Reduzidas a um Mesmo Principio, 1746
"essa pura expressão, essa verdadeira poesia sem imitação apenas se encontra
nos cânticos sagrados. O próprio Deus as ditava, e
Ele «não tem necessidade de imitar, cria».
"«Enquanto a acção (nelas) se passa, a poesia é épica ou dramática;
desde que ela pára, e não pinta senão a pura situação da alma,
o simples sentimento que experimenta, é já por si lírica"
p, 49: "A poesia lírica é, portanto, também ela,’ imitação: imita os sentimentos."
p. 50: "O princípio da operação é simples, e já o conhecemos:
consiste em tirar de uma notação estilística'bastante marginal
uma tripartição dos géneros poéticos em ditirambos, epopeia, drama,
que conduz Aristóteles ao ponto de partida platónico, depois em interpretar
o ditirambo como um exemplo de género lírico, o que permite atribuir à Poética
uma tríade na qual Platão e Aristóteles nunca tinham pensado."



















Monday, March 19, 2018

Teoria literária II-2018-01

Teoria Literária II 2018-01 - LEL110
Prof. Eduardo Guerreiro Brito Losso
Terça e quinta, 18h-20h,
Salas: 3ª H-112 - 5ª H-104

Textos teóricos:
Gerard Genette: Introdução ao arquitexto
Todorov-Poética da prosa (ler "A narrativa primitiva")

Textos Literários: 
Jorge Luis Borges - O aleph (ler "Os teólogos" e "A procura de Averróis")

Charles Baudelaire - Pequenos poemas em prosa e
Flores do mal


Sobre gêneros literários:
Angelica Soares-Gêneros Literarios
Emil Staiger-conceitos fundamentais de poética


livro sobre análise literária:
Massaud Moisés - Análise literária
Consulta de dicionários:
Dicionário de teoria da narrativa
Diccionario de los símbolos

Como fazer o trabalho:
Instruções de como fazer o trabalho

Teoria literária I-2018-01-roteiro de aula

PARTE I
1- Murilo Mendes, no livro de memórias chamado A idade do serrote, de 1968,
faz um retrato do seu primeiro grande professor de literatura, o professor de
literatura francesa Almeida Queirós:
“Chegando a noite o professor munia-se de um óculo de alcance,
pondo-se a observar o céu e as primeiras estrelas que, não sei porque,
chamava de Mariazinhas, mesmo quando faltavam as Três Marias.
Nota 1:“Três Marias é o nome popular dado a um asterismo de três estrelas
que formam o cinturão da constelação de Orion, o caçador”.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Tr%C3%AAs_Marias_(astronomia)
Def. de Asterismo: substantivo masculino 1 Rubrica: astronomia.
dentro de uma constelação, conjunto de estrelas que apresenta
uma forma definida


Nota: Las tres estrellas son conocidas en España y América del Sur, como «Las Tres Marías».
En los países mediterráneos y países de Centro América y Mar Caribe como México,
Puerto Rico y parte de Colombia, son conocidas como «los Tres Reyes Magos» debido
a que es visible, saliendo por en el horizonte este en los anocheceres de la época
navideña y días previos a la Epifanía (6 de enero).

Isto é: chamar as três estrelas do cinturão de Orion de "três Marias" é uma
característica própria da América do Sul.

2- Volto a citar Murilo Mendes: "Sua verdadeira vocação desde criança seria a de astrônomo;
mas o destino dispusera diversamente. “Troquei o céu pela literatura francesa",
dizia ajustando à mão e à vista o aparelho”.
Nota 2: MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1995, p. 965.

  • Como um professor marca a entrada na literatura;
  • Como o desejo de alargar os horizontes vai do céu concreto para a imaginação literária;
  • Murilo fala da infância do seu professor de infância: mise en abyme.
Nota 3: Mise en abyme é um termo em francês que costuma ser traduzido
como "narrativa em abismo",
usado pela primeira vez por André Gide ao falar sobre as narrativas que
contêm outras narrativas dentro de si.
https://fr.wikipedia.org/wiki/Mise_en_abyme, https://pt.wikipedia.org/wiki/Mise_en_abyme

(Exemplo de mise en abyme visual: Capa do disco Ummagumma, de 1969,
 da Banda Pink Floyd.)
Questões:
1- Como a literatura reflete sobre a própria origem do interesse de seu autor por ela?
Essa reflexão se dá numa relação com o professor, isto é,
dentro de um contexto cultural de formação.
2- Como podemos pensar nosso contexto de formação hoje?
Qual o papel de um professor na iniciação à literatura?
3- Será que a valorização social do professor de literatura não está ligada
ao interesse que a própria literatura pode suscitar?
4- Vocês se tornarão professores de literatura. É a esse objetivo que a disciplina se destina. Não vale a pena pensar em qual papel vocês vão desempenhar? Quais suas possibilidades e limites, desejos e repulsas, gostos e desgostos, aspirações e anseios diante da literatura?

3- Volto a citar Murilo Mendes: “O professor tornara-se-me quase um ídolo.
Grande era sua paciência, bondade, mais a esperança de que eu me
tornasse alguém.” p. 966.
Na ocasião da morte de seu professor: “Triste porque não podia colher no céu
um ramo de Mariazinhas para oferecer ao mestre que lhe descobrira Racine,
La Fontaine, Fontenelle, abrindo-lhe o caminho futuro
para o conhecimento de Baudelaire, Mallarmé, Rimbaud e outras constelações”, p. 967.
Mariazinhas - Murilo se refere a esse tipo de flor, como em Minas Gerais:
https://jornaldoporao.wordpress.com/2012/12/20/mariazinha-lirio-do-brejo-hedychium-coronarium/


Murilo se aproveita da confusão do professor entre as três Marias e
o cognome de todas as estrelas de "mariazinhas" para mostrar seu
desejo de presentear o professor com as flores chamadas mariazinhas. 
A relação entre as estrelas e a flores só se dá devido ao nome, é uma relação retórica, paronomástica. A origem dos dois nomes de elementos
naturais completamente distintos está numa referência bíblica cristã comum.
Cria-se aí uma correlação analógica entre narrativa bíblica, flores, estrelas e
relação entre mestre e discípulo, isto é, há aí o que Theodor Adorno chama de
constelação

"O conhecimento do objeto em sua constelação é o conhecimento do processo
que ele acumula em si. Enquanto constelação, o pensamento teórico circunscreve
o conceito que ele gostaria de abrir, esperando que ele salte mais ou menos
como os cadeados de cofres-fortes bem guardados: não apenas por meio
de uma única chave ou de um único número, mas de uma combinação numérica."
ADORNO, Theodor W. Dialética negativa. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2009. p. 142.

Para pensar o modo como se dá o conhecimento do objeto a partir de uma
dialética entre o conceito e o não conceituado, enfim, para pensar uma
teoria que busca o impensável, o "não-idêntico", Adorno formula
a ideia de constelação de conceitos em torno de um objeto.
Para caracterizá-la, ele não define o que é constelação: usa uma imagem
alegórica: a do cadeado.

Também não é possível definir o que é literatura, nem estipular para que ela serve.
Só é possível se aproximar da literatura a partir de uma constelação de elementos.
Aí, a teoria literária se aproxima e se assemelha ao modo de composição
da própria poesia: por relações de semelhança, ou de ligação em rede.






















4- Para que serve a literatura?
Jornal: informa sobre os fatos da realidade
Rede e TV: entretém
Filme e seriado: narrativas preferidas
Produzir e ler literatura: implica talvez nenhuma visibilidade de função imediata.
"Certos leitores veem no texto literário um passatempo de difícil enfrentamento,
além de associá-lo a uma necessidade de erudição altamente inibidora. A consequência dessa
postura frente ao literário
resulta em uma visão do objeto como algo distante, de difícil acesso e,
talvez por isso, pouco atraente"
Nota 7: BASTAZIN, Vera. "Do sussuro ao grito de alerta: qual o espaço da literatura?".
FILHO, Plínio Martins.
TENÓRIO, Waldecy.  João Alexandre Barbosa: o leitor insone.
São Paulo: EdUSP, 2007, p. 146.

Ou: “Afinal, a pergunta recorrente "Para que serve a literatura?” evidencia o
utilitarismo de nossa época.
Lembro-me de uma visita à Fundação Maeght, em Saint-Paul-de-Vence,
nos anos 1970, em companhia
de um colega da Universidade de Nice e de um militante político da Argélia,
amigo dele. Estávamos numa
das salas que exibiam alguns dos mais belos quadros de Chagall, e o amigo
argelino expunha ao meu colega, numa fala exaltada,
os problemas políticos e sindicais de seu país.
De repente, ele parou de falar, olhou os quadros com espanto e perguntou:
"Para que serve isso?”.
Meu colega respondeu: "Para ser feliz”. Imitando essa resposta sintética e cabal,
podemos concluir: a literatura serve para rir, para chorar, para viajar,
para assombrar, para pensar, para compreender e,
sobretudo, para nos encantar com o fato de que a linguagem verbal seja capaz
de tudo isso e mais um pouco”.
Nota 8: MOISÉS, Leyla Perrone. Mutações da literatura no século XXI.
São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 8.
Acrescento: muitos professores, ainda nos anos 50 e 60, sentiam uma felicidade
inenarrável em viver dando aula de literatura. Era como se, hoje, houvesse uma
cadeira para dar aula sobre seriado de netflix. Contudo, a partir do desenvolvimento
do rádio, televisão e internet, hoje dar aula de literatura parece não estar tão distante
de dar aula de latim (algo que ainda temos em nossa universidade).

A literatura serve para chorar, diz Leila Perrone Moisés: nenhum meio de expressão
permitiu, no passado, que a expressão dos sentimentos, e dos sentimentos
ligados a aspirações frustradas, pensamentos vagos, ocorresse sem censura.

5- "26 de agosto de 1868 (Nove horas da manhã) [...]
Formidável impasse! O que ainda me é possível encontra-me enfastiado,
e tudo o que teria desejado me escapa e sempre me escapará.
O fim de todo elance é eternamente a fadiga e a decepção.
Desencorajamento, abatimento, prostração, apatia, spleen;
eis a série que é preciso recomeçar sem tréguas
quando se rola ainda o rochedo de Sisifo.
Não parece mais rápido e mais simples mergulhar primeiro
a cabeça no abismo? Morrer, dormir... talvez sonhar, disse
Hamleto. O suicídio não resolve nada se a alma é imortal."
AMIEL, Henri-Frédéric. Diário íntimo. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d, p. 234.

Fica claro, nesse trecho de Amiel, que a literatura consegue
pensar sobre a própria estrutura do desejo com muita precisão
antes do advento da psicanálise.
A literatura foi filosofia antes da filosofia, foi história antes da
história, sociologia antes da sociologia (verifique o papel de
Shakespeare ou Balzac para Marx, por exemplo); foi
psicanálise antes da psicanálise.

6- Logo, a literatura presta sim preciosos serviços:
1- O prazer da leitura aumenta a capacidade associativa,
imaginativa, que é indispensável
para o despertar do prazer no próprio estudo. Quem estuda sem
prazer estuda menos do que quem
estuda com prazer. Para desenvolver o prazer do
estudo, é preciso desenvolver o prazer
pelo conhecimento. A literatura, ou a poesia, nos seus
primórdios míticos, é a primeira forma de
conhecimento. Por isso ela é o cerne, o núcleo, a origem da
narração, da poetização e
do próprio conhecimento; por isso ela tem a propriedade
única de conter o prazer da narrativa.
2- Questões de concurso exigem do candidato a capacidade
de entender uma diversidade de sentidos
ou sentidos sutis. A literatura é, de todas as artes e conhecimentos,
a que melhor treina tal capacidade.
3-A literatura está na base da história da cultura e da civilização.
Se o homem é, primordialmente, um ser de linguagem,
as primeiras manifestações da linguagem
humana são literárias: seja a partir da musicalidade das palavras,
seja a partir da ficcionalidade.
Assim, a literatura é um dos fatores mais importantes da origem e
desenvolvimento da história, isto é,
da pré-história oral, passando pelos mais decisivos aprimoramentos
da história escrita até nossos tempos midiáticos.


Há uma grande oposição entre dois tipos de atividades em nosso mundo capitalista: 
DIVERSÃO X TRABALHO
ENTRETENIMENTO X ESTUDO

A lógica neoliberal não permite que passemos a vida nos divertindo.
Sua racionalidade nos pressiona, de mil modos, a obter uma
boa qualificação, ganhar e aumentar currículo, preparar-se para
cargos ou concursos de empregos bem remunerados e estáveis.
A princípio, a literatura parece não estar nem de um lado nem de outro.
Ela parece pairar num vazio duplamente inútil. 
Porém, é justamente porque não está nem de um lado nem de outro,
que ela é a melhor MEDIADORA entre um e outro. Ela é a origem tanto
do conhecimento quanto do entretenimento. 
Diversão - literatura - trabalho

Questões:
1- Como encaramos, ou queremos encarar, o lugar do entretenimento e do trabalho
em nossas vidas? Como achamos que o aluno de ensino fundamental e
médio poderia ou deveria entrar em contato com a literatura?
Quanto estamos dispostos a nos divertir com a literatura, e de que forma?
Quanto estamos dispostos a experimentar e estudar a literatura?

7- Origem da poesia (da literatura): “Igual a poesia de todas as épocas
primitivas, também a poesia dos primeiros tempos da Grécia se compõe
de fórmulas mágicas e sentenças de oráculo, orações, canções de
guerra e de trabalho. Todos estes gêneros têm um traço comum: o de
ser poesia ritual das massas. Aos cantores de fórmulas mágicas e de
oráculos, aos autores de lamentações mortuárias e canções guerreiras
lhes era alheia toda diferenciação individual; sua poesia era anônima e
destinada a toda a comunidade; expressava ideias e sentimentos que era comuns a todos”. 
Nota 9: HAUSER, Arnold. Historia social de la literatura y el arte. Barcelona: Labor, 1978, p. 78.

“Os esconjuros, os passos épicos das gestas, as falas mágicas e propriciatórias,
os versículos do Antigo Testamento, os cantos da liturgia bizantina e
medieval cujos textos se preservam até hoje, colam à estrutura frásica,
acentuando-a pela repetição e pelo paralelismo.
Tudo indica que, recitados ou cantados, os passos da poesia arcaica deviam ser
escandidos com energia ritual. O que resultava em dar ênfase às sílabas já fortes
e em alargar a diferença entre estas e as fracas.
Giambattista Vico, falando da linguagem dos rapsodos gregos, sugere que ‘por
necessidade natural’, os primeiros povos deviam falar ‘em ritmo heróico’ para melhor
reterem na memória as gestas da tradição”.
Nota 10: BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix,
Ed. da Universidade de São Paulo, 1977, p. 69.

Comparação: 
1- do modo de vida pré-histórico, da formação de uma cultura oral,
no início da humanidade,
2- com o modo de vida do presente: regime de atenção exposto sempre a telas,
máquinas de imagem. 

8- Christoph Türcke sobre a cultura do déficit de atenção: “Os espectadores de filme
ideais são os anacrônicos: aqueles capazes de ir narrando integralmente o filme
visto, capazes de refletir sobre ele, de dis­cuti-lo e até mesmo de resenhá-lo;
em suma, pessoas que o acompanham com perseverança e o cercam com
comportamentos que aprenderam nos trabalhos manuais e nos jogos de
habilidade infantis, na observação e na pintura de imagens, na leitura e
na escrita de textos, mas não apenas com o próprio filme, cujo princípio
foi claramente visto por Walter Benjamin: a contínua “mudança de lugares
e ângulos, que golpeiam intermitentemente o espectador”. “De fato”,
diz Benjamin, “a associação de ideias do espectador é interrompida
imediatamente com a mudança da imagem. Nisso se baseia o efeito de
choque provocado pelo cinema.”
O efeito de choque se abranda de verdade apenas quando as telas
passam a ser cenário de todos os dias, mas a intermitente “mudança
de lugares e ângulos” não para de modo nenhum. Ela se tornou onipresente.
Além disso, cada corte de imagem atua como um golpe óptico que irradia
para o especta­dor um “alto lá”, “preste atenção”, “olhe para cá”, e lhe aplica
uma pequena nova injeção de atenção, uma descarga mínima de adrenalina –
e, por isso, decompõe a atenção, ao estimulá-la o tempo todo. O choque da
imagem atrai magneticamente o olho pela troca abrupta de luzes; ele
promete inin­terruptas imagens novas, ainda não vistas; ele se exercita
na onipresença do mercado; seu “olhe para cá” propagandeia a próxima
cena como um vendedor ambulante anuncia sua mercadoria. E já que a tela
pertence tanto ao computador como à televisão, ela não só preenche o tempo livre,
mas atra­vessa a vida toda, também durante o tempo de trabalho; o choque imagético
e o trabalho coincidem. Os dados, que de início eu acesso, apoderam-se de mim
retroativamente, de modo que me obrigam ou a trabalhá-los ou a correr
o risco de ser demitido.
Por tudo isso, o choque da imagem se tornou o foco de um regime de atenção
global, que embota a percepção justamente por uma contínua exci­tação, um
contínuo despertar. Os criadores de programas televisivos não contam mais
com um espectador mediano que acompanha longos progra­mas do início ao fim.
Eles calculam de antemão que ele mudará de canal à menor queda de tensão
percebida, e ficam felizes quando conseguem retê-lo ao menos nos
destaques do programa, que são anunciados com chamadas espetaculares.
Esse espectador representa o regime de atenção do choque imagético,
e dita o modelo até para o leitor de hoje, mesmo o leitor intelec­tual.
Cada produto impresso, se quiser ser observado, precisa se comportar
de modo semelhante a uma imagem fílmica diante do olho. Nas últimas
duas décadas, todos os grandes jornais estão cada vez mais parecidos
com as revistas ilustradas. Sem fotos grandes eles não podem mais concorrer.
Toda a diagramação supõe que ninguém tem mais concentração e resistência
suficientes para ler um texto da primeira à última página, linha por linha.”
Nota: TÜRCKE, Christoph. "Cultura do déficit de atenção".
Tradução: Eduardo Guerreiro B. Losso. Revista Serrote, n. 19.
São Paulo: Revista Serrote. IMS - Instituto Moreira Salles, 2015.
https://www.revistaserrote.com.br/2015/06/cultura-do-deficit-de-atencao/

Questões:
1- Quais foram as mudanças de hábito, de audição, leitura e
fruição da poesia que ocorreram ao longo da história? Qual a resultante
dessas mudanças hoje?
2- Como a percepção humana se modifica a partir de diferentes
"regimes de atenção" empregados em torno dos meios de
comunicação (oralidade, leitura e transmissões audiovisuais)?