dialética negativa

Tuesday, May 12, 2020

Curso de pós-graduação na UFRJ de 2020-1 - Tradição delirante: aspiração de liberdade na linguagem e no comportamento

PROGRAMA: CIÊNCIA DA LITERATURA
DISCIPLINA:
PROFESSOR: Eduardo Guerreiro Brito Losso
Siape: 1721533
CÓDIGO: 9600
PROFESSOR:
Siape:
PERÍODO: 2020.1
NÍVEL: M/D

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: Teoria Literária
HORÁRIO: quinta, 17h
TÍTULO DO CURSO: Tradição delirante: aspiração de liberdade na linguagem e no comportamento
Ementa:
Em diferentes momentos da história, poetas, utopistas e místicos manifestaram o desejo de libertação de convenções da linguagem e de comportamento. Frequentemente uma ousadia estética esteve diretamente ligada a um desejo de desembaraço de coerções sociais e um gesto pessoal de ruptura cedo ou tarde contribui para um estímulo de transformação social.
Considerado por muitos como o primeiro movimento feminista europeu, a associação das beguinas foi um movimento de mulheres que dedicavam sua vida tanto a ajudar desamparados quanto a labores intelectuais e práticas espirituais. Uma das mais importantes, Marguerite Porete (1250-1310), foi queimada publicamente em Paris em 1310, sob acusação de heresia. As visões que se traduziam em escritos extravagantes e reflexões poéticas, para além da doutrinação e da racionalidade, orientavam-se para um novo modo de vida, diferenciado do patriarcalismo eclesiástico. A partir daí, toda uma tradição neoplatônica do uso da analogia vai radicalizar o pensamento filosófico renascentista com o uso de associações poéticas que buscam uma experiência mágica com a natureza.
Em tempos modernos, simbolistas e surrealistas herdam o desejo de experimentar alucinações com a linguagem, aquilo que Benjamin chama de iluminação profana, e pretendem secularizar a prática das correspondências num mundo metropolitano e laico. É nesse contexto que vão surgir diferentes personalidades especiais: de um simbolista como Cruz e Sousa (o nosso Dante negro), da simbolista feminista Gilka Machado, de modernistas como Murilo Mendes, Cecília Meireles e Jorge de Lima, da geração paulista de Roberto Piva e Claudio Willer, até as tendências psicodélicas do tropicalismo e da geração marginal, desembocando na poética contemporânea que retoma relações com a poesia e o pensamento ameríndio.
O curso pretende explorar não só a dimensão estética da linguagem extravagante, como também sua busca por uma arte de viver diferente das normas e hábitos dominantes - nobres,  burgueses ou eclesiásticos - e contra a tecnocracia racionalista e em direção a uma outra relação com o ambiente e a natureza. É no exercício de um permanente estudo de si mesmo para elaborar a solidão, a convivência com outros próximos e com a sociedade em geral que escritoras e escritores subversivos propõem modos de vida diferentes, nos quais o curso vai se debruçar.

 BIBLIOGRAFIA GERAL
AGAMBEN, Giorgio. Altíssima pobreza: regras monásticas e forma de vida [Homo Sacer, IV, 1]. São Paulo: Boitempo, 2014.
ADORNO, Theodor. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BORGES, Jorge Luis. Prólogos: com um prólogo dos prólogos. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.
CERTEAU, Michel de. A fábula mística séculos XVI e XVII: volume 1. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. São Paulo: 34, 1999.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
LÖWY, Michael. Redenção e utopia. O judaísmo libertário na Europa central: um estudo de afinidade eletiva. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
LÖWY, Michael. A estrela da manhã: surrealismo e marxismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
PAZ, Octavio. Os filhos do barro: do romantismo à vanguarda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

Parte 1- Introdução ao curso: Tradição delirante: memória cultural e desvio da norma.  Ligação intrínseca entre mística e literatura moderna, analogia no romantismo e simbolismo.
Extravagância da linguagem, mudança comportamental e autotransformação.

Leitura principal:
PAZ, Octavio. Os filhos do barro: do romantismo à vanguarda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 81-103.

Leituras complementares:
BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
DELEUZE, Giles. "A literatura e a vida". In: Crítica e clínica. São Paulo: Ed. 34, 1997, p. 11-16.
CERTEAU, Michel de. "Mystique". In:  Le lieu de l'autre: histoire religieuse et mystique. Paris: Gallimard/Le Seuil, 2005, p. 323-343.

Parte 2- Mística: adoração e irritação
Fascínio e rejeição da palavra, orientalismo e Ocidente, o inefável, a negatividade e os modos de dizer. Autossuperação e aventura existencial. História da mística: fundação, desenvolvimento e florescimento. Conflito entre iluminismo, mística teológica e esoterismo. Influência dessa história na história da literatura

Leitura principal:
JAMES, William. As Variedades da experiência religiosa: um estudo sobre a natureza humana. São Paulo: Cultrix, 1995.
MCGINN, Bernard. As Fundações da Mística: das Origens ao Século V. São Paulo: Paulus, 2012.

Leituras complementares:
LARGIER, Niklaus. “Mysticism, Modernity, and the Invention of Aesthetic Experience”. Representations, Vol. 105, No. 1 (Winter 2009), p. 37-60.
VAZ, Henrique de Lima. Experiência mística e filosofia na tradição ocidental. São Paulo: Loyola, 2009.
HANEGRAAFF, Wouter J. Esotericism and the academy: rejected knowledge in western culture. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.
CERTEAU, Michel de. "Mystique". In:  Le lieu de l'autre: histoire religieuse et mystique. Paris: Gallimard/Le Seuil, 2005, p. 323-343.

Parte 3- Mulheres medievais e mística extravagante. Literatura vernacular e processo de secularização: fusão de ação e contemplação; diferença entre mística monástica, escolástica e vernacular (beguinas); mobilização fora-dentro do mundo, gêneros, narrativas da experiência.
Doutrina da semelhança: hermetismo renascentista, natureza como livro do mundo, assinatura das coisas, magia erudita, mistificação e desmistificação, encantamento e ilusão.
Mística e antimística.

Leitura principal:
Trechos de PORETE, Marguerite. O espelho das almas simples e aniquiladas e que permanecem somente na vontade e no desejo do Amor. Petrópolis: Vozes, 2008.
Trechos de ECKHART, Meister. Sermões alemães: sermões 1 a 60. Petrópolis: Vozes, 2006.
Trechos de AGRIPPA, Henrique Cornélio. Três livros de filosofia oculta. compilação e comentários de Donald Tyson; tradução Marcos Malvezzi. São Paulo: Madras, 2008.

Leituras complementares:
AGAMBEN, Giorgio. Altíssima pobreza: regras monásticas e forma de vida [Homo Sacer, IV, 1]. São Paulo: Boitempo, 2014.
BÖHME, Hartmut. Natur und Subjekt. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1988.
Mcginn, Bernard. O florescimento da mística: homens e mulheres da nova mística:1200-1350. São Paulo: Paulus, 2017.
LIBERA, Alain de. Pensar na idade média. São Paulo: Ed. 34, 1999.
STOCK, Brian. Ethics through Literature. Ascetic and Aesthetic Reading in Western Culture. London: University Press of New England, 2007.
HOLLYWOOD, Amy. Beckman, Patricia. The Cambridge Companion to Christian mysticism. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.
HOLLYWOOD, Amy M. Sensible ecstasy: mysticism, sexual difference,  and the demands of history. Chicago: University of Chicago Press, 2002.
HOLLYWOOD, Amy M. The soul as virgin wife: Mechthild of Magdeburg, Marguerite Porete, and Meister Eckhart. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1995.
CERSOWSKY, Peter. Magie und Dichtung: zur deutschen und englischen Literatur des 17. Jahrhunderts. München: W. Fink, 1990.
YATES, Frances. Giordano Bruno e a tradição hermética. São Paulo: Cultrix, 1995.

Parte 4- Novalis, Decadentismo, Simbolismo e correspondências
Novalis: Magia da linguagem, sentido da natureza, síntese romântica
Primeiros baudelairianos, questionamento dos costumes conservadores e burgueses, crise dos valores: niilismo. Comparação entre Europa e Brasil.
Correspondências como estilo e poética, diferença entre decadentismo e simbolismo na história: França e Brasil, moda esotérica e meio literário-artístico.
Leitura principal:
Novalis: trechos de Cristandade e Europa e Os discípulos de Sais
CANDIDO, Antonio. "Os primeiros baudelairianos". A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1989, p. 23-38.
Poemas de Teófilo Dias, Venceslau de Queiroz, Medeiros e Albuquerque e Domingos do Nascimento

Leituras complementares:
RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. "Poesia simbolista". Do barroco ao modernismo. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1979, p. 210-232.
MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira: O simbolismo (1893-1902). São Paulo: Cultrix, 1966.
CAROLLO, Cassiana. Decadismo e simbolismo no Brasil: Critica e poética. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Cientificos Ed., 1981.
MICHAUD, Guy. Méssage poétique du symbolisme. Paris: Nizet, 1961.
MERCIER, Alain. Sources Ésotériques et Occultes de la Poésie Symboliste (1870-1914). Le symbolisme français. Paris: Nizet, 1969.
SAGERET, Jules. La vague mystique. Paris: Flammarion, 1920.
MORICE, Charles. La littérature de Tout à l’heure. Paris: Perrin et Cie, 1889.
WILLER, Claudio. Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e poesia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

Parte 5- Primeira geração simbolista brasileira: os anti-clericais do Paraná
Cenáculo: Júlio Perneta, Silveira Neto e Dario Vellozo: fundação de um pólo cultural, conflito com imigrantes e Igreja.
Satanismo de Júlio Perneta e esoterismo de Dario Vellozo, religião da arte, escrita extravagante, nacionalismo: simbolistas como intérpretes do Brasil,  peculiaridade da paisagem paranaense.
Crus e Sousa: evocações

Leitura principal:
Poemas de Júlio Perneta, Silveira Neto, Dario Vellozo e Cruz e Sousa
Crítica: BEGA, Maria Tarcisa Silva. Letras e política no Paraná: simbolistas e anticlericais na República Velha. Curitiba: Editora UFPR, 2013.

Leituras complementares:
CAMPOS, Augusto de. Re-Visão de Kilkerry. São Paulo: Brasiliense, 1985.
LINS, Vera. O poema em tempos de barbárie e outros ensaios. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013.
LINS, Vera. Poesia e crítica: uns e outros. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2005.
VASCONCELOS JÚNIOR, Gilberto Araújo de. O poema em prosa no Brasil (1883-1898): origens e consolidação. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2014.
VERAS, Eduardo Horta Nassif. O oratório poético de Alphonsus de Guimaraens: uma leitura do Setenário das Dores de Nossa Senhora. Belo Horizonte: Relicário, 2016.
SECCHIN, Antonio Carlos. Percursos da poesia brasileira: do século XVIII ao século XXI. Belo Horizonte: Autêntica, 2018.

Parte 6- simbolismo e modernismo
Lebensreform: Comunidade do Monte Vérita em Ascona, Suíça, boemia e comunidades alternativas
Gilka Machado e Cecília Meireles, Murilo Mendes e Jorge de Lima
Simbolismo tardio e surrealismo, católicos e progressistas, poesia e política, relação com o modernismo de 1922

Leitura principal:
Poemas de Gilka Machado e Cecília Meireles, Murilo Mendes e Jorge de Lima
Trechos de BRETON, André. O amor louco. Lisboa: Editorial Estampa, 1971.
Primeiro Capítulo de LÖWY, Michael. A estrela da manhã: surrealismo e marxismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
BENJAMIN, Walter. “O Surrealismo: O último instantâneo da inteligência europeia”. In: Obras Escolhidas. Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 21-35.

Leituras complementares:
ARAÚJO, Gilberto. “Gilka Machado: corpo, verso e prosa”. Revista Brasileira, Rio de Janeiro, Ano III, n. 80, p. 115-128, Julho-Setembro 2014.
ALBUQUERQUE, Medeiros e. “Gilka da Costa Machado - Estados de Alma”. In: Páaginas de críitica. Rio de Janeiro: Leite Riberito & Maurillo, 1920, p. 67-81.
BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. YUNES, Eliana Lucia Madureira (org.). Murilo, Cecília e Drummond: 100 anos com Deus na poesia brasileira. Rio de Janeiro: Loyola, 20
FARRA, Maria Lucia Dal. "Prefácio". In: MACHADO, Gilka. Poesia Completa. Org. Jamyle Rkain. São Paulo: V. de Moura Mendonça, 2017, p. 18-50.
FARRA, Maria Lucia Dal. “Gilka, a maldita”. Teresa: revista de literatura brasileira, n.15, p. 117-129, 2014.
GOUVÊA, Leila Vilas Boas. Pensamento e "lirismo puro" na poesia de Cecília Meireles. São Paulo: EdUSP, 2008.
GOTLIB, Nádia Batella. Gilka Machado: a mulher e a poesia. In: DUARTE, Constância Lima (org.). Anais do 5o Seminário Nacional Mulher e Literatura: Natal, 1 a 3 de setembro de 1993. Natal: UFRN: Ed. Universitária, 1995, p. 17-30.

Parte 7- Contracultura e contemporaneidade:
Roberto Piva, Afonso Henriques Neto, tropicalismo, Azougue, contemporâneos

Leitura principal:
Tradição delirante: poemas de Roberto Piva, Afonso Henriques Neto, Sergio Cohn, Marco Lucchesi, Waldo Motta.  

Outros contemporâneos: Armando Freitas Filho, Evando Nascimento, Claudia Roquette-Pinto.

Leituras complementares:
COHN, Sergio. A reflexão atuante: ensaios interventivos e entrevistas. Rio de Janeiro: Circuito, 2015.
DAVIS, Erik. Techgnosis : myth, magic, and religion in the information age. New York: Harmony Books, 1998.
FELINTO, Erick. Silêncio de Deus, silêncios dos homens: Babel e a sobrevivência do sagrado na literatura moderna. Porto Alegre: Sulina, 2008.
HALASZ, Judith R. The bohemian ethos: questioning work and making a scene on the lower East Side.  New York: Routledge, 2015.
HANEGRAAFF, Wouter J. "Beyond the Yates Paradigm: the Study of Western Esotericism Between Counterculture and New Complexity". Aries. Amsterdam Institute for Humanities Research (AIHR), v. 1., issue 1, 2001, p. 5-37.
TURNER, Fred. From counterculture to cyberculture : Stewart Brand, the Whole Earth network, and the rise of digital utopianism. Chicago: The University of Chicago Press, 2006.
VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
WILLER, Claudio. Os rebeldes: Geração Beat e anarquismo místico. Porto Alegre: L&PM, 2014.