Anotações de: Zonas de sombra da poesia brasileira
Curso Zonas de sombra da poesia brasileira: o lugar da tradição delirante 2017-2
Aula 3 - Eduardo Guerreiro Losso:
Bases místicas do simbolismo
Dionísio Areopagita (escrito entre 476-510)- A HIERARQUIA CELESTE
"iniciamo-nos à medida de nossas forças nestas hierarquias de inteligências celestes tais como no-las revelam as Escrituras de maneira simbólica e anagògica. Após ter elevado os olhos imateriais e o firme olhar de nossa inteligência para esta efusão luminosa, fundamental e mais que fundamental, que vem do Pai teárquico, e que nos revela em figuras simbólicas as bem-aventuradas hierarquias angélicas, ultrapassamos esta própria efusão para nos apegar ao Raio simples da Luz em si.", p. 138
“§ 3. - E por isso que os santos iniciadores que primitivamente regularam nossos ritos, julgando bom organizar nossa hierarquia sagrada sobre o modelo das hierarquias celestes que não são deste mundo,
para no-las transmitir, revestiram estas hierarquias imateriais com uma variedade de figuras e de formas materiais, para que nos elevássemos, de maneira analógica, destes sinais santíssimos às realidades espirituais simples e inefáveis das quais são apenas imagens. É inteiramente impossível, com efeito, que nossos espíritos de homens possam chegar de maneira imaterial a imitar e a contemplar as hierarquias celestes, sem para isso usar meios materiais capazes de nos guiar, proporcionando-se à nossa natureza.
É assim que, para todo aquele que exerce sua reflexão, as aparências da beleza tornam-se as figuras (121 D] de uma harmonia invisível. Os bons odores, tais como tocam nossos sentidos, representam a iluminação intelectual. As luzes materiais significam esta efusão de luz imaterial da qual são as imagens. As argucias do ensinamento sagrado correspondem à plenitude intuitiva da inteligência. As ordens e os graus deste mundo [125 A] figuram as propriedades harmoniosas das legiões divinas. A recepção da santíssima Eucaristia simboliza a participação em Jesus. E assim por diante para todos os dons que recebem as essências angélicas conforme um modo que não é deste mundo, e que não nos são concedidos, a nós, a não ser de maneira simbólica.”, p. 139
“Seguramente, Deus apareceu a alguns homens
piedosos segundo o modo que convinha à sua divindade, revelando-se mediante visões santas, adaptadas à medida dos visionários. A santíssima teologia tem pois razão de chamar visão divina (“Teofania) esta espécie de aparição em que se reflete a similitude divina segundo o modo que convém à figuração do não figurável, isto é, elevando espiritualmente os visionários para as realidades divinas. Mediante esta visão, com efeito, os visionários recebem a plenitude da iluminação divina e certa iniciação sagrada a alguma coisa dos próprios mistérios de Deus.”, p. 153-154
Pseudo-Dionisio, o Areopagita. Obra completa. (tradução Roque Aparecido Frangíotti). São Paulo: Paulus. 2004.
Dante, Paraíso, Canto I
Beatriz a Dante: “e começou: "Às coisas dominante
uma ordem preside e lhes dá forma,
fazendo o cosmo a Deus consemelhante.
À ordem de que falo,
o natural de cada criatura, variamente,
se inclina, respondendo desigual
ao principio que as leva a diferente
porto, singrando o imenso mar do ser,
cada urna segundo sua vertente.”, p. 93-95
Campos, Haroldo de. Pedra e luz na poesia de Dante. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1998.
Ficino- Cap. VII de Lumen: Os olhos celestes das divindades sorriem ao gozo das mesmas e se regozijam em seu esplendor e movimento
"O céu, como corpo das coisas celestes, ou, do mesmo modo, como olho delas (com efeito, Orfeu chama "olho" o Sol), ri em seu resplendor e se exalta em seu movimento diante do mesmo gozo admirável das coisas celestes... Como julgam os pitagóricos, as esferas dançam frente ao canto das divindades gozosas. Daí, com movimentos bem ordenados e variados confeccionem uma harmonia admirável; ante o riso dos astros, que principalmente se revela por seus raios, riem todas as coisas, tanto as que estão debaixo do céu quanto as que estão sobre a terra..." (cita PORFIRIO, Himnos órficos)
Swedenborg - O Ceú e o inferno, 1758
“Os antigos procederam de outro modo. A ciência das correspondências foi para eles a principal de todas as ciências. Por ela eles receberam a inteligência e a sabedoria, e por ela os que eram da igreja tiveram comunicação com o céu. Porque a ciência das correspondências é a ciência angélica. Os antiqüíssimos, que eram homens celestes, pensavam como os anjos, segundo a correspondência mesma. Por isso, eles conversavam com os anjos e o Senhor Se mostrava a eles freqüentemente, e os instruía.”
"102. Os anjos ficam estupefatos quando ouvem dizer que há homens que atribuem tudo à natureza e nada ao Divino, crendo também que o seu corpo, no qual foram reunidas tantas coisas admiráveis do céu, foi composto pela natureza, e crendo ainda que até o racional do homem procede também dela, quando, entretanto, tudo do homem procede do Divino e não da natureza, que foi criada unicamente para revestir o espiritual e para apresentá-lo correspondente no último da ordem. Os anjos comparam tais homens às corujas, que vêem nas trevas e nada avistam na luz."
"106. Em uma palavra, todas as coisas que existem na natureza, desde a menor até a maior, são correspondências. Elas são correspondências porque o mundo natural, com tudo o que o constitui, existe e subsiste pelo mundo espiritual, e um e outro pelo Divino. Diz-se também que ele subsiste, porque tudo subsiste segundo aquilo que existe, porque a subsistência é uma perpétua existência, e porque nada pode subsistir por si mesmo, mas toda coisa subsiste por uma anterior a si, assim por um Primeiro, do qual ela não pode, por conseguinte, ser separada sem perecer e sem se dissipar inteiramente.
107. Tudo aquilo que na natureza existe e subsiste pela ordem Divina é o Divino Bem que procede do Senhor. Ela começa por Ele, porque d'Ele desce pelos céus sucessivamente no mundo e termina nos últimos deste. As coisas que nele estão segundo a ordem são correspondências."
Ficino sobre Dionísio Areopagita
"Os Serafins especulam sobre a ordem e a providência de Deus
Os Querubins especulam sobre a essência e a forma de Deus.
Os Tronos também especulam, ainda que alguns desçam às obras.
Os Domínios, como arquitetos, planejam o que os restantes
executam.
As Virtudes executam, movem os Céus e concorrem para a
realização de milagres, como instrumentos de Deus.
As Potestades cuidam para que não seja interrompida a ordem do
governo divino, e algumas delas descem às coisas humanas.
Os Principados cuidam dos negócios públicos, nações, príncipes,
magistrados.
Os Arcanjos dirigem o culto divino e cuidam das coisas sagradas.
Os Anjos cuidam dos negócios menores e se encarregam dos
indivíduos, como seus anjos da guarda".
Os conhecimentos de Ficino sobre as hierarquias celestiais foram modificados por dois intermediários, Tomás de Aquino e Dante, além das modificações que ele próprio introduziu. As diferentes atividades das hierarquias, que não são especificamente definidas no Pseudo-Dionísio, ele as obteve em Tomás de Aquino.2 A ligação das hierarquias com as esferas do cosmos, ele as tirou de Dante, que no Convívio correlaciona as hierarquias com as esferas3 e, principalmente, no Paraíso instala as almas dos bem-aventurados nas esferas dos sete planetas; coloca os apóstolos e a Igreja Triunfante na oitava esfera; na nona, enfileira as nove hierarquias angélicas; e coroa a tudo com a Trindade no Empíreo.
YATES, Frances. Giordano Bruno e a tradição hermética. São Paulo, Cultrix, 1995, p. 141.